7.12.07

Cotidiano



Acordo. É mais um dia de trabalho. Pulo da cama e piso o chão com o pé direito. Faço o sinal da cruz, aprendi desde cedo. Pego a roupa, vou com ela pro banheiro, pra ganhar tempo. Escovo os dentes com pressa. É, tem que fazer barba todo santo dia! O banho em dez minutos. Enxugo-me dentro do box, pra não molhar o banheiro.

Visto a roupa voando. Nem termino o café, já chamo o elevador e lá estou eu na cara da vida, a encarar o trânsito e essa vidinha mais ou menos. O sinal tá fechado, o tráfego devagar. Tartarugas ao volante, atraso constante. Lá vem o "guardador" (não guarda nada). É o dono da rua. "Vamo lavar o carro, dotô?", ele diz, mesmo vendo seu carro limpinho. "Posso vigiar?" Sem opção, você não é nem besta de dizer não.

Leio em toda parte: "Sorria, você está sendo filmado". Não sei se faço pose, se dou um sorrisinho amarelo, se mando beijinho pra câmera ou se faço careta. Meu sorriso custa caro, pago manutenção de aparelho. E quer saber de uma? Vai filmar outro! Filmam você sem autorização e, pra evitar que você vá à Justiça, inventaram esse aviso, que deveria ser "Você está sendo vigiado".

Depois dessa maratona, chego ao trabalho. Corro pro primeiro computador que vejo, para dar entrada no ponto. "Sorria, você está no ponto". O telefone toca aqui, ali, acolá; os colegas falam; as impressoras sussurram; os teclados trotam. Troc-troc-troc.... Um colega vem: "Alguém tem grampeador?". Vixe! Nenhum grampeador tem grampo! "Alguém aí tem um grampeador com grampo?".

Chega a hora do almoço, você vai comer pertinho do trabalho. E rápido, pois tem um monte de coisa pra fazer, mesmo que não tenha. E o almoço é sempre na base do vapt-vupt. Pressa pra voltar ao trabalho? Huumm! E dali a pouco tudo recomeça: colegas falando, telefone tocando, impressoras gemendo, teclando trotando... Troc-troc-troc...

A tarde vai caindo e chega a hora de você fechar o ponto e cair fora. Um colega diz "Tenho que ir, já tô atrasado prum compromisso". Outro fala a mesma coisa. E todo mundo segue apressado, tem que passar não-sei-onde, tem que pegar alguém em algum lugar, tem um compromisso aqui e ali.

Se ligar o som no carro voltando pra casa, de repente ouve uma música do Legião Urbana: "Todos os dias quando acordo/ Não tenho mais o tempo que passou/ Mas tenho muito tempo/ Temos todo tempo do mundo". Você ouve, você canta, você concorda com a letra. Mas vai dirigindo o carro (ou seria a vida?) como se não tivesse tempo a perder.

Embora, no fundo, tenha todo tempo do mundo, você vive dizendo que não tem tempo para nada. Enquanto isso, as estrelas lá em cima esperam seu olhar, o menino que faz acrobacia no semáforo quer que você o veja e a vida abre alas para você passar. Mas você vai perdendo tempo ao volante, atropelando a vida por não ter tempo a perder.

E a música tocando: "Somos tão jovens", "Temos todo tempo do mundo", "Temos nosso próprio tempo", "Temos nosso próprio tempo", "Temos nosso próprio tempo".

Marcelo Torres é jornalista, baiano, radicado em Brasília.

Amigo, ainda não sabia que era tão bom cronista! Adorei....

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